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A desconstitucionalização e a fragilização das regras previdenciárias

A reforma da Previdência de Bolsonaro retira da Constituição regras importantes de previdência social. 

Por Letícia Kolton Rocha e Grace Esteves Bortoluzzi, advogadas, sócias do escritório BORDAS ADVOGADOS ASSOCIADOS, que integra a assessoria jurídica de entidades de servidores federais, tais como ADUFRGS Sindical, FASUBRA, SINDAGRI/RS, SINDIEDUTEC/PR, ADUFG (em parceria com o escritório Eliomar Pires & Ivoneide Escher Advs Assoc).


Desde que trazida à tona pelo governo Temer, a reforma da previdência leva a maior parte dos brasileiros a questionar qual será a idade e o tempo mínimo de contribuição exigidos para aposentadoria e, sobretudo, se há déficit ou não na previdência a justificar tal reforma.

Apresentada a proposta de reforma pelo governo Bolsonaro, essas questões ressurgiram. Entretanto, a proposta de reforma de Bolsonaro vai muito além, pois afasta da previsão Constitucional as regras previdenciárias permanentes, relegando à Lei Complementar tais previsões.

Atualmente, as regras previdenciárias estão previstas na Constituição Federal, texto de maior importância na hierarquia das normas de um país. Devido ao contexto histórico à época de sua promulgação, de transição do regime militar a um Estado Democrático de Direito, a Carta Cidadã garantiu determinados direitos temendo mudanças e arbitrariedade por parte do Estado. Nesse cenário, garantias importantes de cunho previdenciário foram expressamente previstas no texto constitucional, tais como requisitos e exigências para os benefícios e, até mesmo, a garantia de atualização dos benefícios.

A nova redação na proposta de emenda à Constituição reserva à Lei Complementar, e não mais à Constituição, as regras de aposentadoria. Assim, os requisitos mínimos a serem preenchidos para concessão do benefício, a forma de composição e de reajuste dos proventos, os novos descontos previdenciários ditos extraordinários, bem como um novo sistema previdenciário, serão transferidos para Lei Complementar.

Até que sobrevenha essa legislação, a proposta de emenda dispõe provisoriamente sobre os requisitos mínimos para aposentadoria. São as denominadas regras provisórias.

A desconstitucionalização das regras previdenciárias é uma estratégia do governo Bolsonaro para facilitar a alteração das normas e possibilitar a supressão de direitos.

No aspecto do devido processo legislativo, é muito mais fácil propor e aprovar uma lei complementar do que uma emenda constitucional, por isso a estratégia de retirar do texto Constitucional o máximo possível de regras previdenciárias.

Veja-se que a lei complementar exige para efeito de sua aprovação a maioria absoluta dos votos dos congressistas, ou seja, apenas que 50% + 1 do número de deputados eleitos na Câmara e 50% + 1 do número de senadores eleitos no Senado. Já a proposta de emenda à constituição exige a aprovação por 3/5 dos congressistas, em dois turnos de votação, nas duas casas.

Assim, a alteração de uma norma constitucional perpassa por um processo de elaboração mais detalhado e rígido, requerendo, assim, mais votos e mais força política. A Constituição Federal é a Lei das Leis, e a única forma de alterá-la é por meio de emenda, cujos critérios e processo de tramitação e aprovação se mostra muito mais rígido que do ordenamento infraconstitucional.

Não há dúvida, portanto, de que a opção pela desconstitucionalização das regras previdenciárias facilita tanto a atual quanto as futuras alterações das regras previdenciárias e supressão de direitos, podendo ser modificada com mais liberdade e de acordo com as conveniências deste e dos futuros governos, o que, em nossa opinião, fragiliza sobremaneira o sistema previdenciário, cujos reflexos serão sentidos aos longo dos próximos anos.