O lado obscuro da Reforma da Previdência de “Temer”
Por Francis Campos Bordas
Admitindo – apenas como argumento – que a Previdência brasileira precise ser radicalmente reformada, questiono:
• Já não foi reformada por três vezes em 18 anos? Não completamos sequer duas gerações e mudamos as regras por três vezes e vamos para a próxima.
• Desde as alterações havidas em 1998, 2003 e 2005, por ocasião das emendas constitucionais 20, 41 e 47, será que a sustentabilidade do sistema previdenciário foi tão ameaçada a ponto de justificar uma mudança tão radical?
• Esta é a melhor forma de discutir as alterações da previdência? Sem ouvir o maior interessado (o trabalhador)?
• Quem efetivamente ganha com as mudanças?
• Por que não se criam regras que impeçam desonerações de recolhimentos por parte de empresas e tomadores de serviços?
Grosso modo, a reforma proposta por Michel Temer (fala-se por aí que foi aposentado aos 55 anos) tem as seguintes características principais:
• Requisitos iguais para homens e mulheres;
• Fim da aposentadoria especial de professores;
• Aumenta idade mínima e tempo de contribuição como requisitos para aposentadoria;
• Fim da aposentadoria integral nos casos de doenças graves (cardiopatias, câncer, etc);
• Proíbe acumulação de provento de aposentadoria com pensão
• Viúvo(a) só receberá 50% e cada filho pensionista, mais 10%. Estes percentuais incidirão sobre o teto do INSS.
Visto assim, parece tudo muito lógico. Ledo engano! Tentemos deixar de lado as paixões e emoções que modernamente tem pautados as opiniões e recuperemos a racionalidade para analisar a extensão dos efeitos destas propostas sobre todos os trabalhadores.
A mais clara conclusão que se chega é: Só não se importa com essa PEC quem não precisa de Previdência! Ou seja, quem não é trabalhador.
E aí chegamos ao primeiro ponto: Qual a alternativa para quem não consegue se aposentar dignamente? Uma aposentadoria privada, ou seja, um grande filão rentável do mercado financeiro. Ou seja, este será o maior beneficiário destas mudanças, os bancos faturarão às custas de um novo sistema que propositadamente inviabiliza uma aposentadoria minimamente digna em tempo razoável.
Houvesse alguma lealdade e honestidade por parte de nossos governantes, esta proposta seria precedida de um debate amplo na sociedade. A Proposta de Fim (ops, “reforma”) da Previdência tem vários erros e injustiças, mas o que mais chama a atenção é “esquecer” de revogar alguns trechos da introdução e do artigo 1º (os quais estão tachados e negritados na transcrição abaixo) em relação aos quais a PEC se opõe radicalmente:
Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.
TÍTULO I
Dos Princípios Fundamentais
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I – a soberania;
II – a cidadania
III – a dignidade da pessoa humana;
IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V – o pluralismo político.
O trabalho é – ou deveria ser – um instrumento de realização pessoal, uma garantia de subsistência digna e uma forma de viabilizar a realização de outro direito social, a aposentadoria (artigo 8º, inciso XXIV da Constituição).
No momento em que uma proposta de reforma da Constituição que, se aprovada, resulte na necessidade da pessoa trabalhar por 49 anos para poder se aposentar com um benefício máximo de R$ 5.189,92 (este é o valor atual do teto do INSS), não há como não ficar intrigado com as seguintes situações ou contradições:
• O trabalho deixa de ser um direito, cujo valor social deveria ser protegido, e vira uma condenação perpétua;
• A aposentadoria, a seu turno, é postergada de tal forma que, em grande número, os trabalhadores morrerão antes de atingir os requisitos;
• Para poder atingir os requisitos, em especial em estados cuja expectativa de vida é mais baixa, será necessário trabalhar desde criança (o que implica retirar da Constituição a proteção à infância);
Em um mundo ideal onde mulheres e homens são remunerados da mesma forma, sujeitos a jornadas iguais de trabalho e em que os compromissos familiares com educação dos filhos sejam equilibrados entre os pais, quiçá a proposta de equiparar os requisitos talvez soasse natural. A realidade brasileira evidentemente não é essa. Cerca de 75% dos casos de adoecimento em razão do trabalho envolvem mulheres (ROCHA, 20008 ), o novo estilo de vida da mulher está causando um sensível aumento dos riscos de cardiopatia (FOLHA DE SP, 2008 ), e por aí vai. Portanto, é, no mínimo, precipitado cravar como certa a plena igualdade entre homens e mulheres para fins previdenciários, sem que haja um amplo debate na sociedade, não se esquecendo de que a atual composição do Congresso Nacional é majoritariamente masculina.
Por tudo que já tem sido criticada a PEC 287/2016, por conta da completa crise moral e institucional do Congresso Nacional e do Poder Executivo e, talvez mais grave, no crescente descrédito do povo brasileiro com o Supremo Tribunal Federal, reafirmamos a gravidade deste momento e a necessidade de mobilização social.
Um governo provisório de dois anos está às vésperas de alterar regras que serão permanentes – ou pelo menos com uma duração muito maior que isso. Não é razoável!
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Referências
ROCHA, Euda Kaliani Gomes Teixeira: Desigualdade Também no Adoecimento: Mulheres como o alvo preferencial das síndromes do trabalho. http://www.abep.nepo.unicamp.br/encontro2008/docsPDF/ABEP2008_1215.pdf, Trabalho apresentado no XVI Encontro Nacional de Estudos Populacionais, realizado em Caxambu – MG – Brasil, de 29 de setembro a 03 de outubro de 2008.
Folha de São Paulo, 3 de dezembro, 2008. http://noticias.uol.com.br/saude/ultimas-noticias/estado/2008/12/03/medica-aponta-aumento-dos-fatores-de-risco-de-cardiopatia-em-mulheres.htm.